quarta-feira, 8 de julho de 2009

Barreiro Cidade










“O Tempo esse grande escultor”é uma obra de Marguerite Yourcenar que li há já algum tempo.

Nesse conjunto heterogéneo de ensaios, a escritora conduz-nos a uma reflexão sobre o passado e o presente e ao gosto pela arte e pela meditação sobre o quotidiano da vida.

Por que me terei lembrado agora do referido título?

Quando, mais uma vez, se celebra a data em que o Barreiro passou de vila a cidade, parecem fazer sentido algumas reflexões.

Efectivamente, quando vimos assistindo, nos últimos tempos, a um conjunto de alterações que vão trazendo ao Centro do Barreiro sinais de mudança, para uma desejada modernidade (as alterações na Av. Alfredo da Silva, o nascimento de um Fórum Comercial, a transformação de toda a zona envolvente à R. Stara Zagora, …), não podemos deixar para trás uma análise sobre o que está sendo esta nova cidade.

Parece, na verdade, tal como Yourcenar nos propõe, que se impõe uma reflexão sobre o passado e o presente.

Não são muitas as vezes que passo pela antiga Estação dos Caminhos-de-ferro e Velho Terminal dos tradicionais barcos do Barreiro - Lisboa e vice-versa.

Aconteceu-me, porém, fazê-lo, há muito pouco tempo e a sensação que tive foi muito desagradável. O que vi?

Olhando em redor do edifício propriamente dito da antiga estação, somos colocados perante um conjunto arquitectónico ferro-fluvial de um valor patrimonial indeterminável.

Num primeiro olhar, temos um edifício com todas as características da arquitectura romântica do séc. XIX, a que já foram retirados alguns elementos próprios da função a que se destinavam; falo dos bancos em madeira e ferro, ergonomicamente concebidos, onde tantos e tantos aguardaram partidas e chegadas. Esses já lá não estão! Em sua substituição vêem-se, para a mesma função, estruturas metálicas que nada têm a ver com o resto.

Na parede do edifício ainda se mantém um relógio que evoca momentos certamente marcantes nas vidas de muitos – alegrias, choros, encontros, separações, reencontros! Até quando se manterá lá?

Continuando a direito, em direcção às oficinas da CP- EMEF – encontramos, pelo caminho, um verdadeiro conjunto museológico da época industrial, cuja arquitectura é marcada pela tijoleira vermelha e adornos em ferro.

Quem visitar o Museu de Electricidade, na outra margem do Tejo, encontrará uma continuidade deste conjunto arquitectónico do maior valor, em boa hora recuperado para os melhores fins.

Olhando para este Barreiro, que teima em falar-nos da sua própria História, fica-se apreensivo, pois receia-se pelo que possa vir a acontecer, num futuro muito próximo.

Aliás, podemos perguntar-nos, e da velha Cuf e suas marcas físicas, o que ficará na emergência de um novo pólo da cidade?

Estou tanto mais preocupada quanto vou assistindo à derrocada de outros elementos vivos, que poderemos igualmente chamar de património, pela idade acumulada.

No Centro do Barreiro, num espaço familiar e circunscrito às habitações de moradores, cujos filhos nasceram e cresceram, brincando nas traseiras das suas casas, assistimos, há dias, ao corte de árvores centenárias que eram património deste recanto do Barreiro.

Será que a antiguidade e/ou a doença, são razões suficientes para se abater aquilo que identifica os seres sensíveis e amantes da sua História?!
Será que o Barreiro do futuro vai ser capaz de conciliar o passado e o presente?

Os barreirenses apreciam, certamente, a mudança, mas não gostarão que lhes cortem as suas raízes!


21 de Junho de 2009
Rosário Vaz

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