quarta-feira, 8 de julho de 2009

A oportunidade perdida para o Barreiro Velho





O Bloco de Esquerda na última sessão da Assembleia Municipal questionou o Sr. Presidente da Câmara sobre o desfecho da candidatura efectuada ao Quadro de Referência Estratégico Nacional ( QREN) – “ Programas integrados de valorização de áreas urbanas de excelência, inseridas em centros históricos”, tendo então sido revelado que a candidatura não tinha sido aprovada.

As decisões e actos políticos da gestão CDU relacionados com esta candidatura merecem uma análise e reflexão profundas.

As candidaturas ao QREN afiguram-se de uma extrema importância para o concelho, por um lado devido à fragilidade e degradação a que chegou o património e espaço público no Barreiro, por outro lado pelo carácter único e provavelmente irrepetível do actual Quadro Comunitário de Apoio, que disponibiliza verbas muito significativas para a regeneração urbana. O Programa em questão disponibilizava por projecto até 3 500 000 €. Considerando a escassez de recursos financeiros das autarquias, o QREN constitui, actualmente, o mais importante instrumento financeiro para assegurar o investimento necessário à qualificação do território, criando condições para o aumento da qualidade de vida e bem-estar das populações.

Na Assembleia Municipal desde o início do QREN que temos vindo a questionar o executivo sobre a maturidade das candidaturas, nomeadamente a dos projectos estruturantes, como são o caso das candidaturas na área da Política de Cidades - Parcerias para a Regeneração Urbana. Sabemos que o processo de elaboração de candidaturas deste género é muito exigente. Não se tratam de meros projectos técnicos. Um bom trabalho no domínio técnico das especialidades que estiverem em questão, como por exemplo a Arquitectura, a Sociologia ou o Planeamento, constitui uma condição necessária, mas não suficiente para realizar um projecto ganhador. Os responsáveis políticos têm um papel decisivo. Desde o início até ao último momento. A preparação atempada, mesmo antes da abertura do período de candidaturas, requer alocação de recursos, responsabilização e acompanhamento. A qualidade e envolvimento das parcerias, factor absolutamente decisivo neste programa, dependem em exclusivo do desempenho dos políticos. A validade e sustentabilidade dos projectos também provêm muito do papel das populações na elaboração dos diagnósticos e planos de acção, que por sua vez dependem da orientação política do executivo.

Foi com base nestes pressupostos que propusemos no ano passado em Assembleia Municipal a criação de uma comissão de inquérito, constituída por representantes de todas as forças políticas, para analisar o processo de elaboração da candidatura ao QREN de Valorização das Áreas Ribeirinhas. Como é do conhecimento geral a CMB falhou também essa candidatura, por atraso, perdendo a possibilidade de aceder até 3500 000 €. A CDU recusou essa iniciativa proposta pelo BE. Defendeu um inquérito interno, entretanto arquivado, não permitindo que as instâncias políticas fossem objecto do escrutínio democrático da Assembleia. E assim, sabendo agora o que aconteceu à candidatura Barreiro Vivo para a regeneração do Barreiro Velho é caso para dizer, tudo como antes, quartel-general em Abrantes.

A candidatura para a regeneração do Barreiro Velho começou mal. Alertámos imediatamente para a desconsideração sobre um dos critérios da selecção das candidaturas, o relativo ao grau de envolvimento das populações locais na preparação do Programa de Acção. O mais extraordinário é que esta situação acontece no período de uma gestão CDU que se apresenta como o paladino da participação, desenvolvendo um poderoso e caríssimo marketing sobre a ideia do Barreiro como Cidade da Participação onde nem os outdoors têm faltado. É absolutamente irónico e revelador que no período em que deveria ter ocorrido e não ocorreu a participação dos cidadãos para preparar o plano de acção do programa de acção do projecto tenham existido as ritualísticas reuniões de Opções Participadas sobre o Barreiro Velho e do Conselho para a Reabilitação e Desenvolvimento do Barreiro Antigo.

Setúbal, Palmela e Almada entre outras cidades tiveram as suas candidaturas aprovadas e vão iniciar a recuperação e dinamização dos seus centros históricos.
E nós?
Vamos continuar a ouvir a ladainha de que os Governos discriminam o Barreiro?

“,Vi uns homens a inaugurarem estátuas
e vi fardas e paradas e conferências
e crianças a sorrir
para os homens sorridentes que inauguravam estátuas
e vi homens que falavam e pensavam por mim
a escolherem por mim o bom e o mau
de modo a que eu não possa ser tentado
a confundir o mau com o bom ou vice-versa ou vice-versa.”

“… atenção ao marketing…atenção ao marketing.”

Fernando Namora



Humberto Candeias

O que é isso da governabilidade?








Desde que Paulo Rangel venceu Sócrates nas Europeias, a Direita acordou! Mas despertou receosa de que, no próximo confronto, tal espavento não se repita e os partidos de esquerda voltem a somar a maioria absoluta dos votos expressos. Para que tal não aconteça é necessário agitar alguns papões ameaçadores .O bloco de direita – PSD, CDS a que , pelas suas recentes posições, é licito juntar o Presidente da República – está unido em torno de três ideias básicas as quais, sendo puros mitos, pretendem simular verdades absolutas: a da governabilidade, a da simultaneidade das eleições legislativas e autárquicas e a da economia por corte das grandes obras públicas.

A primeira questão é apresentada como se qualquer unidade pós-eleitoral só fosse possível à direita. Espera-se que o PSD ganhe as legislativas e componha a maioria com o CDS ou, cereja em cima do bolo, que o bloco central de interesses económicos venha a traduzir-se num bloco central da política unindo PSD e o PS. Por outro lado, na esquerda apenas pressentem impossibilidades. O PS nunca uniria esforços com o PCP e, muito menos ainda com, dizem eles, o imaturo Bloco de Esquerda. A pergunta a fazer-se é porquê? Que fatalidade genética dará aos partidos de direita maior capacidade ou apetência para a governação e as retira às esquerdas? Em que tratado de Política, ou de Biologia, tal se demonstra? Já se esqueceram de Durão Barroso, do seu pântano e do precipitado abandono do governo para rumar à sinecura europeia, deixando pendurados os portugueses, entre eles, oh! Ironia, a ministra Ferreira Leite mais o seu doloroso programa de emagrecimento da população? Já estamos esquecidos que as acções governativas da direita são aquelas que conduziram o mundo às guerras e a esta crise? Mais liberalismo sem freio? Mais mercado a dirigir os destinos do mundo sob a lenda da auto regulação, quando sabemos que o seu objectivo é sempre explorar, até ao limite e sem ética, todas as possibilidades? Esquecendo que o seu único objectivo é a máxima acumulação de riqueza, num exíguo número de empresas ou pessoas, e quando os limites são atingidos abandonando as populações empobrecidas aos problemas por eles criados na ânsia louca de um desmedido enriquecimento?

Temos de tornar claro que a acção comum das esquerda é uma possibilidade. Perante propostas e políticas concretas, que defendam as populações trabalhadoras, qualquer dos partidos de esquerda pode, e muitas vezes já foi feito, juntar as suas vozes e votos para tornar possível o melhoramento da vida da nossa gente.

A segunda ideia-força é a da simultaneidade das eleições. O grande argumento é a poupança feita se as eleições decorrerem no mesmo dia. Se os argumentos forem somente os de índole económica, na fronteira, chegaremos à denegação da democracia porque, aparentemente é mais cara que qualquer regime de quero, posso e mando. Na realidade apenas o PSD defende eleições simultâneas. Fá-lo, sejamos claros,porque lhes parecem ser mais favoráveis aos seus desígnios, porque pensa optimizar assim os seus resultados eleitorais. Todos os outros partidos preferem eleições desligadas. Será porque são mais perdulários que o PSD? Claro que não! Também aqui se joga o interesse próprio de cada partido. No entanto há algo mais a juntar a esta posição. Cada eleição tem a sua dignidade e o seu espaço próprio. Misturá-las, não sendo crime de lesa democracia, é sem dúvida subalternizar uma em relação à outra. Ora isto seria um mau serviço, a longo prazo, à democracia. Seria como cortar na comida e ficar admirado por se ter fome. Não me parece, à primeira vista, que devamos submeter-nos à ilusão económica prestando, nesse passo, um péssimo serviço à democracia.

Finalmente a grande preocupação com a dívida, resolúvel no corte dos investimentos com as obras públicas, faze-me lembrar lágrimas de crocodilo. Que é preocupante a subida do endividamento, claro que é! Todos o sabemos. Mas serão todas as dívidas iguais? O endividamento ao jogo é semelhante ao investimento numa máquina para produção? O que se deve discutir não é se vamos gastar muito dinheiro, mas sim o que poderemos ganhar com esse gasto. Desta discussão foge a direita preferindo a facilidade de um economicismo parvo. No entanto, sabemos que, caso ganhasse as eleições, algumas destas agora contestadas obras teriam que ser feitas. O aeroporto de Lisboa é um enorme risco. Tem-nos valido Nossa Senhora de Fátima ou dos aviões senão já uma aeronave se teria esmagado sobre o casario lisboeta. O aeroporto está cercado pela cidade e terá, inevitavelmente de ser mudado. Como está decidido ser em Alcochete, teriam de construir-se acessos e, lamentando ter de dar o braço a torcer, lá viria a direita dizer que afinal a ponte era necessária. Só que num outro local onde servisse melhor a sua clientela e não nestas zonas demasiado vermelhas para o seu requintado gosto. E o TGV? Claro, com o impulso que a direita, em boa hora eleita, daria ao mercado, seria necessário um meio de transporte expedito para que os homens de negócio pudessem, sem perdas de tempo, encontrar-se em qualquer ponto da Ibéria. Lá viria o comboio rápido solucionar parte do problema. Pareço demasiado cínico na minha exposição? Olhem que não! Na verdade esta súbita moderação da direita não é real. É meramente estratégica. Visa assustar para dominar. Afinal quem é que, em primeiro lugar, beneficia dos grandes empreendimentos senão as grandes empresas? E de quem são eles apoiantes? Do Bloco, não! Do PCP, tão pouco! Do PS, às vezes quando faz o jogo liberal. Do bloco de direita? Certamente e sem qualquer dúvida.

Então, sabendo isto, não nos deixemos embalar em cantos de sereia a vamos, frontalmente, recusar os receios que a direita tenta injectar na vontade dos portugueses e dizer claramente que a maioria é o povo e que o povo espera uma esquerda que não se traia nem o traia. Desta forma poderemos fazer frente à crise e ultrapassá-la em benefício dos que diariamente labutam com um mínimo de réditos.

Não podemos esperar que resolvam a crise aqueles que a criaram.



Carlos Alberto Correia

Barreiro Cidade










“O Tempo esse grande escultor”é uma obra de Marguerite Yourcenar que li há já algum tempo.

Nesse conjunto heterogéneo de ensaios, a escritora conduz-nos a uma reflexão sobre o passado e o presente e ao gosto pela arte e pela meditação sobre o quotidiano da vida.

Por que me terei lembrado agora do referido título?

Quando, mais uma vez, se celebra a data em que o Barreiro passou de vila a cidade, parecem fazer sentido algumas reflexões.

Efectivamente, quando vimos assistindo, nos últimos tempos, a um conjunto de alterações que vão trazendo ao Centro do Barreiro sinais de mudança, para uma desejada modernidade (as alterações na Av. Alfredo da Silva, o nascimento de um Fórum Comercial, a transformação de toda a zona envolvente à R. Stara Zagora, …), não podemos deixar para trás uma análise sobre o que está sendo esta nova cidade.

Parece, na verdade, tal como Yourcenar nos propõe, que se impõe uma reflexão sobre o passado e o presente.

Não são muitas as vezes que passo pela antiga Estação dos Caminhos-de-ferro e Velho Terminal dos tradicionais barcos do Barreiro - Lisboa e vice-versa.

Aconteceu-me, porém, fazê-lo, há muito pouco tempo e a sensação que tive foi muito desagradável. O que vi?

Olhando em redor do edifício propriamente dito da antiga estação, somos colocados perante um conjunto arquitectónico ferro-fluvial de um valor patrimonial indeterminável.

Num primeiro olhar, temos um edifício com todas as características da arquitectura romântica do séc. XIX, a que já foram retirados alguns elementos próprios da função a que se destinavam; falo dos bancos em madeira e ferro, ergonomicamente concebidos, onde tantos e tantos aguardaram partidas e chegadas. Esses já lá não estão! Em sua substituição vêem-se, para a mesma função, estruturas metálicas que nada têm a ver com o resto.

Na parede do edifício ainda se mantém um relógio que evoca momentos certamente marcantes nas vidas de muitos – alegrias, choros, encontros, separações, reencontros! Até quando se manterá lá?

Continuando a direito, em direcção às oficinas da CP- EMEF – encontramos, pelo caminho, um verdadeiro conjunto museológico da época industrial, cuja arquitectura é marcada pela tijoleira vermelha e adornos em ferro.

Quem visitar o Museu de Electricidade, na outra margem do Tejo, encontrará uma continuidade deste conjunto arquitectónico do maior valor, em boa hora recuperado para os melhores fins.

Olhando para este Barreiro, que teima em falar-nos da sua própria História, fica-se apreensivo, pois receia-se pelo que possa vir a acontecer, num futuro muito próximo.

Aliás, podemos perguntar-nos, e da velha Cuf e suas marcas físicas, o que ficará na emergência de um novo pólo da cidade?

Estou tanto mais preocupada quanto vou assistindo à derrocada de outros elementos vivos, que poderemos igualmente chamar de património, pela idade acumulada.

No Centro do Barreiro, num espaço familiar e circunscrito às habitações de moradores, cujos filhos nasceram e cresceram, brincando nas traseiras das suas casas, assistimos, há dias, ao corte de árvores centenárias que eram património deste recanto do Barreiro.

Será que a antiguidade e/ou a doença, são razões suficientes para se abater aquilo que identifica os seres sensíveis e amantes da sua História?!
Será que o Barreiro do futuro vai ser capaz de conciliar o passado e o presente?

Os barreirenses apreciam, certamente, a mudança, mas não gostarão que lhes cortem as suas raízes!


21 de Junho de 2009
Rosário Vaz